segunda-feira, 31 de março de 2008

desejo

colecção hiten, Yoshitaka Amano







quarta-feira, 26 de março de 2008

ode à primavera

the dreamer, Jetinder Marjara



Sinais de dez mil maneiras de estar em equilíbrio neste mundo movente que se
ri da adaptação
Sinais sobretudo para retirar o ser individual da armadilha da língua dos
outros
feita para ganhar contra nós, como uma roleta russa bem preparada
que só nos deixa uns tiros felizes
e a acabar a ruína e a derrota
que nela estavam inscritas
para nós, como para todos, previamente.

Sinais para não voltar a trás
mas para melhor “passar a linha” em cada instante

Sinais não como se copia
mas como se pilota



Ou, num ímpeto inconsciente, como somos pilotados

Sinais, não para sermos completos, não para conjugarmos
mas para sermos fieis ao nosso “transitório”

Sinais para voltar a ter o dom das línguas
pelo menos da nossa, porque de contrário, quem a falará?

escrita directa em suma para o desenrolar das formas
para o alívio e desatravancar das imagens
cuja praça pública-cérebro está neste tempo particularmente obstruída

à falta de aura, ao menos disseminemos os nossos eflúvios.



Henri Michaux, Retiro pelo risco


(Joana)

domingo, 23 de março de 2008

reminiscências do Verão...



chuva de estrelas no parque de estacionamento, no cimento dentro do saco cama a olhar para as estrelas, a cortina dos peixes a colar no corpo, devorar pão com ketchup maionese e mostarda, os faróis que apontam para a tenda, o churrasco dos vizinhos que cheira dentro da tenda, o camping gaz que andou a passear, a Cristina com medo da caça no camping, o olááá do freak tonto à Cristina, eu a pedir à Rita para não se assustar com o cocó, a árvore de toalhas, a chegada ao parque da Ingrina, eu a incendiar o carro da Joana, os campos de morangos, os cavalos, o choco frito, a falta de papel higiénico, as longas idas da Cristina à casa de banho, o cão branco, as ovelhas na praia, as calças freaks do Pedro, a festa dos velhos-meninos, a fala alentejana, o festival reggae má onda, a nossa fuga do bar, a Rita a ler a sina, os canaviais da Amália, a luta por um lugar no parque, a cabeça do Pedro a sair da casa de banho da rodoviária, a inexistência de serviço de mesa e a falta de espírito turístico dos alentejanos, azevias no verão, os sofás nas paragens de autocarro, a espantosa salvação do albatroz com um corta-unhas, "Cristina a salvadora dos animais", os bolinhos de amêndoa, a espantosa mochila laranja, o misterioso casal do Porto, os rebanhos de cabras, o bom dia alegria que nos fez correr, tomate todos os dias, o cheiro a falta de banho no café da Zambujeira, os pés de cabra da vendedora, areia nos mamilos, acordar com o sol, as estrelas do mar, a corda de lama, a Joana cigana, os misteriosos regulamentos do parque de Santo André, a pizzaria da aldeia abandonada, esquecer os dias da semana, estar feliz.



relato e fotografia de Ana

terça-feira, 18 de março de 2008

fotografia de Marília Campos




apetece partilhar aquilo a que chamam de solidão
numa mesa de café
numa cidade a que não se conhecem os atalhos,
as pessoas, os hábitos.



assim se mastiga o tempo
temperado com vida.



apetece olhar para a maneira de olhar,
os modos de estar, de sorrir, de pentear, de dançar
Aquela (minha) dança,
os modos de fugir, de esconder o que não se consegue ter
para se ser feliz.



apetece viajar, desvendar as cadeiras onde se senta
a espera dura de um presente construído, passo a passo,
aquela lágrima que hidrata.

apetece perguntar como é lá...




quarta-feira, 12 de março de 2008

Keuschnig fechou os olhos com força para não chorar, mas também para assim melhor saborear as lágrimas



Via tudo como que pela última vez.
Enquanto ainda estava a observar Beatrice, ela já o perdera.
Ele já não lhe pertencia, tinha apenas que fingir que sim; tinha de o fazer.
Houve qualquer coisa nele que estalou, em seguida baralhou-se tudo.
Um quebrar de alma bem complicado, pensou.
Alguns estilhaços de sentimentos tinham perfurado o invólucro
e ele ficara petrificado para sempre.
Quando se fala do corpo, não se poderá ao mesmo tempo falar de uma dor horrível?
Havia no corpo feridas horríveis, na alma a dor horrível.
E as feridas do corpo eram por vezes lindas, feridas que era
pena que cicatrizassem – na alma havia só uma dor horrível.
«Acho que comi de mais», disse ele a Beatrice, que o olhava
de quando em vez, preocupada, sim, mas não comovida.
Uma semente com forma de bala passou pela janela. Misericórdia!
Keuschnig teve a impressão de que a merda dentro dele se lhe tinha posto atravessada.
Em breve daria um traque bem alto em pleno quarto.

A Hora da Sensação Verdadeira,
ed. Difel (1978), 1988, p. 28
Peter Handke


sábado, 8 de março de 2008

in completude



Quando estiver de saída peço-lhe que me leve a casa.
Há muito tempo que não andava de moto.
Na verdade nunca estive tão próxima de um homem.
A estrada não é assim tão longa… e sei que vou sair, brevemente.
Mas sinto-me tão quente neste momento…






voz de Michelle Reis com Takeshi Kaneshiro, cena final do filme
Fallen Angels,
de Wong Kar-Wai
1995


quarta-feira, 5 de março de 2008

pozinhos mágicos




a vida pode ser melhor, pintura de Artistikberry



aguarela



fotografia de Bogdan Zwir




Extenso e capaz de ser forte
Sem pudor e engasgo
Olhar em frente, de frente
Naquela ignorância que me faz caminhar sem medo.
Confio no tom processual das coisas
No fazer de cada passo, transparente até onde o pode ser,
Na respiração ofegante de uma corrida para alguma coisa
Que me exige a compreensão do que está para lá daqui.
Enxugar o suor como a prova de estar viva,
Adormecer a dor.
Penso naquilo que disse quando me magoo
Profundamente
E no resto que apenas pensei.
O choro é seco e áspero e sangra a pele quando por ela passa,
Trespassa.
O sorriso inventa novas formas de acomodar aquilo que vou vendo,
E o que não vou entendendo.
A realidade que construo é uma aguarela de azul
A fugir para o verde, sempre que posso.




segunda-feira, 3 de março de 2008

Atom and Cell




Her skin was darker than ashes
And she had something to say
Bout being naked to the elements
At the end of yet another day
And the rain on her back that continued to fall
From the bruise of her lips
Swollen, fragile, and small
And the bills that you paid with were worth nothing at all
A lost foreign currency
Multi-coloured, barely reputable
Like the grasses that blew in the warm summer breeze
Well she offered you this to do as you pleased
And where is the poetry?
Didn't she promise us poetry?
The redwoods, the deserts, the tropical ease
The swamps and the prairie dogs, the Joshua trees
The long straight highways from dirt road to tar
Hitching your wheels to truck, bus, or car
And the lives that you hold in the palm of your hand
You toss them aside small and damn near unbreakable
You drank all the water and you pissed yourself dry
Then you fell to your knees and proceeded to cry
And who could feel sorry for a drunkard like this
In a democracy of dunces with a parasites kiss?
And where are the stars?
Didn't she promise us stars?
Nothing will ever be as it was
The price has been paid with a thousand loose shoes
Pictures are pasted on shop windows and walls
Like a poor mans Boltanski
Lost one and all.
Sell, sell
Bid your farewell
Come, come
Save yourself
Give yourself over
Pushing your consciousness
Deep into every atom and cell,
Sell,
Bid your farewell
Come, come
Save yourself
Give yourself over
Pushing your consciousness
Deep into every atom and cell,
Sell,
Bid your farewell
Come, come
Save yourself
Give yourself over
Pushing your consciousness

Nine Horses, Atom and Cell

simbolismo



framed, Haleh Bryan