sábado, 31 de outubro de 2009

Uma espécie de perda


Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.

As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma

cama.

Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,

gastos.

Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.

E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por

Verões.

Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma

cama.

Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis, idolatrei o indefinido

e senti devoção perante um nada,

(-o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)

sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.

Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.

Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor

mais intensa.

A campainha da porta era o alarme da minha alegria.


Não te perdi a ti,

perdi o mundo.



Ingeborg Bachmann,

O Tempo Aprazado