segunda-feira, 23 de julho de 2007

numa dança de mulher sem braços



Olhávamos agora a bailarina que ocupava o centro da sala numa dança de mulher sem braços. Dançava como se fosse surda e não pudesse seguir o ritmo da música. Dançava como se não pudesse ouvir o som das castanholas. Dança isolada e separada da música, de nós, da sala, da vida. As castanholas soavam como passos de fantasmas.


Ela dançava, rindo e suspirando e respirando tudo a seu favor. Dançava os seus medos, parando no meio de cada dança para atender a críticas que não podia ouvir ou para se entregar ao aplauso que não tínhamos feito. Ouvia música que não podíamos ouvir movida por alucinações que não tínhamos.

Os braços foram-me tirados, cantava.
Fui punida por abraçar. Abracei. Prendi todos os que amei. Prendi nos momentos mais belos da minha vida. Fechei nas mãos a plenitude de cada hora. Os braços apertados no desejo de abraçar. Quis abraçar a luz, o vento, o sol, a noite, o mundo inteiro e quis retê-los. Quis acariciar, curar, embalar, aclamar, envolver, cercar.

Forcei-os e prendi de tal modo que se partiram; partiram de mim. Tudo passou então a evitar-me. Estava condenada a não prender.

A tremer agitada ficou a olhar para os braços agora estendidos diante dela.

Olhou as mãos tão apertadas e abriu-as devagar, tão completamente como Cristo; abriu-as num gesto de abandono e de dádiva; era a renúncia, o perdão, abrir os braços, abrir as mãos, deixando as coisas seguirem o seu curso.

Eu não soube suportar a passagem das coisas. Tudo o que flui, tudo o que passa, tudo o que mexe sufoca e enche-me de angústia.

E ela dançava; dançava na música com o ritmo dos ciclos da Terra, voltava-se ao voltar-se a Terra, disco, virando todas as faces, ora para a luz ora para o escuro, dançando em direcção à luz do dia.



Anaïs Nin
retirado de A casa do Incesto

imagem,
the fire dancer, Ab Scott

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