sábado, 9 de outubro de 2010

O ronron do Gatinho



(gato alentejano numa janela-mosquiteiro)


O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.
Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.
É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso faz ronron
para mostrar gratidão.
No passado se dizia
que esse ronron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.
Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ronron em seu peito
não é doença - é carinho.




poema de Ferreira Gullar,
no livro «Um Gato chamado Gatinho»

terça-feira, 11 de maio de 2010

I

Amano

Rasgo a película fina do meu vestido
pelas costuras do seu avesso,
e tu tocas, ao ver-me, na textura aveludada
do meu nicho.
Permaneces desse lado, na distância de um braço
que, pesado, fica amarrotado dentro do calor dos lençóis,
ainda de flanela.
Olhamo-nos.

terça-feira, 16 de março de 2010

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

In My Secret Life




I saw you this morning.
You were moving so fast.
Can’t seem to loosen my grip
On the past.
And I miss you so much.
There’s no one in sight.
And we’re still making love
In My Secret Life.

I smile when I’m angry.
I cheat and I lie.
I do what I have to do
To get by.
But I know what is wrong,
And I know what is right.
And I’d die for the truth
In My Secret Life.

Hold on, hold on, my brother.
My sister, hold on tight.
I finally got my orders.
I’ll be marching through the morning,
Marching through the night,
Moving cross the borders
Of My Secret Life.

Looked through the paper.
Makes you want to cry.
Nobody cares if the people
Live or die.
And the dealer wants you thinking
That it’s either black or white.
Thank G-d it’s not that simple
In My Secret Life.

I bite my lip.
I buy what I’m told:
From the latest hit,
To the wisdom of old.
But I’m always alone.
And my heart is like ice.
And it’s crowded and cold
In My Secret Life.


Leonard Cohen,

álbum
'Ten New Songs'.



terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

pela mão do que escorrega



Pela mão do que escorrega
agarro os interstícios ferozes
do que tende a diluir-se
sob o pano opaco da pele.

Seguro a folha caduca do tempo
de cor castanha.

Prendo-a debaixo do braço
e,
perene em mim,
concebo com ela um diálogo de frases loucas.


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Sem Acepipes




Nos lugares pouco iluminados da casa

não pode haver mais que aquilo que já vimos

e que, agora, vemos como podemos,

e com as lentes da nossa memória

tacteamos o próximo passo.

Entendo assim que,

nos lugares pouco iluminados da casa,

as viagens para o aí são norteadas

por aquilo que sentimos ter sentido,

Lá atrás.

Caminho com as minhas memórias.

Reinvento passados e desfaço

a cada passo

O que já vivi.

Sigo.